México, 1986, o primeiro Mundial que me recordo. Era então uma criança entusiasta da selecção portuguesa. As memórias eram algo turvas, mas sabia que tínhamos feito um brilharete no Euro'84, motivo mais que suficiente para emborcar Coca-Colas à bruta e coleccionar as latas com os jogadores de Portugal. Para ajudar à festa, as figuras de proa eram, pelo menos na minha cabeça, os meus ídolos no meu Clube: Carlos Manuel e Manuel Galrinho Bento.
O primeiro jogo correu lindamente, com o Bento em grande nível e o Carlão a marcar um golo histórico. Depois veio aquela maldita lesão que pôs fim a uma carreira, mesmo que ela não tivesse terminado naquele exacto momento, e na minha cabeça benfiquista tudo aconteceu de uma forma lógica: estava um lagarto na baliza, estávamos condenados. Claro que não foi por aí, mas eu não percebia nada de regalias, prémios de representação e afins, portanto urgia encontrar um bode expiatório.
O meu pai, como muitos pais da altura, apressou-se a aliviar a minha tristeza com a velha história dos "irmãos" lá do Brasil. Aquilo era um bocadinho como Portugal, dizia-me, e os gajos até tinham dado "show de bola" em 82, ouvia eu por aí. Desconfiei a início, mas aquilo até parecia fazer sentido. Afinal de contas era a selecção dos gajos das novelas que a malta via e cantava nas viagens de turma da escola, assim com aquele português de sotaque curioso. Mas na minha cabeça já estava aquele gordito que andara a dançar por entre jogadores da selecção Campeã do Mundo.
Os oitavos de final foram uma festa. Maradona voltava a fascinar-me, mas o Brasil goleara a Polónia e eu lá ia dando razão ao meu velho. Até que o Zico decidiu falhar aquele penalty. Senti-me traído. E no dia seguinte Maradona mudava a minha vida. A Mão de Deus e o Golo do Século!!! Durante alguns anos, enquanto ia criando simpatias por clubes estrangeiros, havia uma coisa que nunca falhava: além do Sport Lisboa e Benfica, eu era da equipa onde estivesse o Maradona, fosse ela o Nápoles ou o Sevilha. E, naturalmente, desde aquele dia seria argentino a 100%. Recordo-me como se fosse hoje: terminado o jogo contra a Inglaterra, fui buscar um livro com a História dos Mundias de Futebol que o meu pai comprara nas vésperas do Espanha 82. E mesmo sem os ter visto jogar, Kempes, Ardiles, Passarella, todos eles eram já ídolos na minha cabeça.
O resto foi simples: a meia-final que vingou a derrota que tornou célebre aquela foto de Maradona encarando um mar de gente, a final contra uma equipa que tão convenientemente equipava de verde. Portugal demoraria 16 anos a regressar aos Mundiais e a Argentina passou a ser a minha selecção. Em 1990 sofri com se estivesse a rever o Benfica na final de Estugarda. Recordo-me do massacre brasileiro e de como gritei o golo de Canniggia, da discussão que tive com a minha mãe pela obrigação de comparecer a uma festa na tarde do jogo contra a Jugoslávia e de não ter descansado enquanto não me colocaram um televisor à frente, de Sergio Goycoechea, dos insultos que lancei sobre o árbitro da final... Lembro-me da madrugada em que acompanhei o Austrália - Argentina, de gritar o golo de Maradona à Grécia, da marca que ficou na parede quando foi anunciada a sua suspensão (uma armadilha!!!), do ódio aos romenos... Não esqueço o golaço do Zanetti e o maluco do Roa a defender penalties contra os ingleses, o Cláudio Lopez e aquela bola que sai do pé esquerdo do Batigol em direcção ao poste num dos melhores jogos que vi na minha vida, aquele lançamento fantástico do Frank de Boer e o trabalho fabuloso do Bergkamp a deitar por terra as aspirações de uma equipa tremenda... Pelo meio, até as Copas Américas, onde descobri Batistuta (e um tal de Leo Rodriguez que chegou andar pelo Borussia Dortmund e Atalanta sem nunca se ter verdadeiramente afirmado na Europa) passaram a interessar-me.
Torço, obviamente, por Portugal, mas existe uma diferença clara entre a obrigação e a escolha. E por isso digo: a Argentina é a minha Selecção.