Não estranhem a imagem. Sabe-se que o treinador holândes é adepto do 4x2x3x1: linha defensiva a 4, duplo pivot no meio-campo, um trio de médios mais orientados para o ataque e, na frente, isolado perante os centrais contrários, o virtuoso Van Persie. De facto, o esquema acima representado não pretende espelhar os traços dominantes desta equipa que compete na África na Sul, antes ilustrar uma concepção táctica mais de acordo com a sua tradição de futebol: um entusiasmante 3x4x3, típico da escola holandesa.
Bert van Marwijk imprimiu um cunho pessoal a esta selecção: óptimos resultados até ao momento (3 vitórias na fase de grupos, 5 golos marcados e, apenas, um sofrido), contudo com um nível exibicional algo longe de fascinar os chamados adeptos ‘românticos’. Existem, portanto, virtudes e pechas assinaláveis, cada qual na sua proporção e grau de importância.
Em primeiro lugar, esta equipa, não contando com defesas de qualidade elevada (topo europeu), acaba por ser sólida do ponto de vista defensivo. Para tal, muito contribui a adopção de um bloco mais baixo, permitindo melhor preenchimento dos espaços, e o apoio decisivo do duplo pivot no centro do campo: De Jong e o capitão Van Bommel. Esta garantia estrutural, no momento em que a bola está na posse do adversário, possibilita uma abordagem pragmática, mais orientada para o resultado e menos para o espectáculo.
Em segundo lugar, a opção por um modelo de jogo mais astucioso descaracterizou os principais fundamentos do ‘futebol total’: (i) circulação de bola no meio-campo adversário com precisão, a toda a largura do terreno e sem perda de eficácia; (ii) monopólio do ataque organizado, envolvendo vários jogadores no processo de construção e decisão ofensiva; e, (iii) no geral, privilégio cultural na prática de um futebol alegre, incisivo e vertiginoso ofensivamente, permanentemente virado para o golo.
Conclusão inicial: esta Holanda apresenta condições para ambicionar o máximo, mas corre o risco de baquear nos seus objectivos ao não respeitar a tradição da sua história futebolística. No meu entender, ‘laranja mecânica’ só em 3x4x3 (embora aceite o 4x3x3), pelo que passo a descrever a minha concepção ideal quando vislumbramos aquelas camisolas: laranja é sinónimo de (bom) futebol.
1. Posicionamento defensivo
Falta, a esta selecção, um central de grande nível mundial. Só com muito boa vontade se poderia afirmar que tanto Mathijsen, só utiliza o pé esquerdo, como Heitinga, reúnem um conjunto de atributos de excelência. Como tal, seguindo a ideia que só os melhores devem jogar, nada como retirar um deles para dar lugar a um colega mais talentoso. Apesar de tudo, prefiro o central do Hamburgo, pois considero que Heitinga denota imensas dificuldades (técnicas e mentais) para fazer frente a um avançado hábil e veloz. Esta defesa ainda não foi posta à prova, frente a um adversário de maior valia. Podem perguntar: então não seria um risco jogar só com 3 defesas? Claro que sim. Só que, por outro lado, isso também significa a existência de 4 médios e 3 avançados. Uma ‘laranja’ que se preze pensa no golo. E, se observarem o desenho, está lá De Jong para dar uma ajudinha defensiva.
2. Circulação de bola e transições
Uma vez mais, a imagem diz tudo: um losango, ligeiramente inclinado, preparado para controlar as transições (defensivas/ofensivas) e dominar a circulação de bola até à zona de finalização. Tudo parece estar no devido lugar. Em lados opostos, De Jong e Sneijder comandam as suas áreas de jurisdição, indo de encontro às tarefas que melhor se adaptam às suas características principais. Por seu lado, Van Bommel e Van der Vaart, são os pêndulos interiores que estreitam ou alargam o jogo a meio-campo, tendo a função conjunta de pisarem zonas do relvado mais à frente, ou atrás, consoante as circunstâncias assim o ditarem: em situação defensiva, o meio-campo equilibra-se em «3x1», com Sneijder menos envolvido na recuperação; em situação de posse, a equipa assume uma postura mais arrebatada em «1x3», ficando De Jong a preencher o espaço. Em síntese, um carrossel de futebol.
3. Mobilidade em largura e profundidade
Van Persie enfiado entre os centrais contrários? Desperdício. Por vezes, chega a ser confrangedor quando a selecção do país das tulipas nem sequer tem um homem na grande área adversária. Versatilidade de movimentos na fuga às marcações? Compreende-se. E quanto a ataque posicional? A Holanda não tinha por hábito privilegiar um futebol virado para a frente, sempre com 2 extremos bem abertos nas faixas e, pelo menos, 1 avançado centro? Marwijk tem imenso talento ofensivo ao seu dispor, pelo que a opção do 3x4x3 poderia resultar. O trio constituído por Robben, Kuyt e Van Persie acrescenta largura, profundidade, engenho individual no 1v1, técnica, velocidade e poder de fogo elevado. Depois, as ‘peças’ podem sempre mudar de posição, de maneira a confundir os defesas: Robben colocado no corredor esquerdo (mais por fora), com Kuyt desviado na direita (diagonais interiores) e Van Persie ao centro. Juntamente com Elia e Huntelaar, as possibilidades são vastas.
Em resumo, a actual selecção holandesa possui virtudes colectivas e qualidades individuais susceptíveis dos maiores feitos. A concepção de jogo suportada num esquema em 4x2x3x1, de grande consistência defensiva e rara inteligência táctica, merece alguns elogios. No entanto, esta ‘laranja’ mostra-se pouco sumarenta no atrevimento ofensivo e menos açúcarada no seu futebol. É a ‘clementina’ introduzida por Marwijk.